Este ano, os pesquisadores fizeram grandes progressos nas questões mais intrigantes do autismo.Em alguns dos maiores estudos genéticos realizados até hoje, cientistas vasculharam o genoma de centenas de milhares de participantes para decifrar o papel das variantes comuns no autismo. Algumas equipes exploraram a questão do viés sexual no autismo sob novos ângulos: por exemplo, estudando a microglia (as células do sistema imunológico do cérebro) e estudando a“camuflagem” (um comportamento generalizado em que mulheres e meninas mascaram seus traços de autismo).Aqui estão cinco dos temas mais quentes na pesquisa do autismo em 2018.
Os cientistas há muito suspeitam que os neurônios de pessoas com síndrome do X-frágil produzem proteínas em excesso e que essa superprodução está na raiz da doença. Eles também assumiram que alteração na síntese de proteínas também é peça chave em uma condição relacionada chamada esclerose tuberosa.
Mas este ano, alguns estudos questionaram essas crenças estabelecidas há muito tempo.
A síndrome do X-frágil é causada por mutações no gene FMR1, o que impede a produção da proteína correspondente, FMRP. Vários estudos sugeriram que a proteína FMRP diminui a produção de outras proteínas. Assim, em pessoas em que há falta de FMRP podem, portanto, ter um excesso de proteínas em suas células.
Mas um novo estudo sugere que isso pode ser verdade em apenas algumas pessoas com síndrome do X-frágil. Os níveis de produção de proteína variam amplamente entre as pessoas com a doença, e alguns têm níveis comparáveis aos dos controles. Isto sugere que o efeito na síntese proteica pode não explicar completamente as características do X frágil. Outro estudo em moscas da fruta sugere que a FMRP facilita a produção de proteínas – ao invés de dificultá-la.
Na esclerose tuberosa, também, o problema pode ser pouca proteína, em vez de muita, de acordo com um estudo publicado em janeiro. Esse estudo descobriu que ratos com uma mutação ligada a esclerose tuberosa produzem pouca proteína. Essa descoberta surpreendeu os pesquisadores porque a mutação sempre foi associada a aumento de síntese de proteínas.
Três a quatro mais meninos do que meninas são diagnosticados com autismo, e os pesquisadores suspeitam que isso pode ocorrer porque algumas meninas – e mulheres – “camuflam” seus traços de autismo.
A camuflagem é mais do que uma tentativa de encaixar: envolve um esforço persistente e às vezes exaustivo de reprimir certas características ou alterar o modo de agir. Esse esforço é menos comum em homens no espectro. A camuflagem pode explicar porquê algumas meninas parecem ter características autistas mais severas do que os meninos no início: muitas meninas podem camuflar suas características o suficiente para evitar que a condição seja detectada por testes clínicos diagnósticos, então apenas aquelas que são gravemente afetadas acabam sendo diagnosticadas.
Este ano, os pesquisadores fizeram movimentos para quantificar a camuflagem, construindo um teste de 25 itens chamado de CamouflagingAutisticTraitsQuestionnaire. Outras equipes se concentraram nos fundamentos biológicos da camuflagem. Em um estudo, por exemplo, pesquisadores relataram que a atividade em uma região do cérebro “social” chamada córtex pré-frontal ventromedialse correlaciona com as pontuações das mulheres em um conjunto de testes que medem a camuflagem.
Os pesquisadores deram outros passos para entender o viés sexual existente no autismo.
Dois estudos analisaram as diferenças entre os sexos nas células do sistema imunológico do cérebro, ou microglia, que respondem à infecção limpando o cérebro de detritos e patógenos.
Em um estudo, os pesquisadores estudaram camundongos fêmeas prenhas que não tinham um microbioma – a comunidade de micróbios do corpo. Neste caso, encontraram que os fetos masculinos tinham uma densidade maior de microglia do que os controles (ou seja, fetos de camundongos com microbioma), e essa microglia mostrou expressão gênica alterada. Mas esse padrão se inverte na idade adulta, com camundongos fêmeas mostrando diferenças em relação aos controles.
No segundo estudo, os pesquisadores descobriram que a microglia em camundongos machos expressam níveis mais altos de genes envolvidos na inflamação do que as fêmeas. Juntos, os artigos sugerem que a microglia tem características específicas a depender do sexo – mas porquê essas diferenças existem ainda não está claro.
Alguns estudos também refinaram o quadro de diferenças sociais e comportamentais em meninos e meninas com autismo. Por exemplo, um grande estudo de crianças de nove países descobriu que meninas autistas com 5 anos ou menos têm comportamentos restritos e repetitivos menos graves do que os meninos autistas jovens.
Finalmente,dois estudos sobre comunicação social sugere que as meninas podem ter mais deficiências de comunicação social do que os meninos quando se aproximam da adolescência. Um dos estudos mostra que, por volta dos 7 anos, as meninas têm menos problemas sociais do que os meninos, mas esses problemas pioram aos 16 anos. O segundo estudo sugere que meninas com autismo têm mais problemas em brincar e sorrir do que meninos autistas, talvez porque o padrão para o sucesso social é maior nas meninas
Este ano marcou um ressurgimento do interesse na ligação entre o autismo e a serotonina, um mensageiro químico.
Um em cada três autistas tem níveis elevados de serotonina no sangue. Apesar de décadas de estudos terem tentado esclarecer a ligação entre a serotonina e o autismo, ainda pouco se avançou na compreensão dessa relação. Por exemplo, em ensaios clínicos, antidepressivos que aumentam os níveis de serotonina parecem fazer pouco para aliviar as principais características do autismo.
Dois estudos de 2018 oferecem uma explicação para esses resultados decepcionantes: os antidepressivos podem aumentar os níveis de serotonina muito lentamente para fazer a diferença.
Em um estudo, os pesquisadores descobriram que uma droga que aumenta rapidamente os níveis de serotonina em um modelo de autismo de camundongo torna-os mais sociáveis; o bloqueio dos receptores de serotonina impede esse efeito. Outro estudo ligou baixos níveis de serotonina materna ao autismo pela primeira vez.
Evidências crescentes sugerem que pessoas autistas compartilham variantes comuns herdadas – aquelas presentes em mais de 1% da população. Este ano, estudos genéticos de larga escala ilustraram como variantes comuns podem explicar a hereditariedade e a heterogeneidade do autismo.
Em um estudo com mais de 333.000 pessoas, incluindo 18.381 com autismo, os pesquisadores vasculharam 3 milhões de posições específicas no genoma em busca de variantes comuns. Suas descobertas sugerem que as variantes comuns são responsáveis por cerca de 12% da herdabilidade do autismo.
Outros estudos forneceram suporte poderoso para a ideia de que variantes comuns modulam os efeitos de mutações raras ligadas ao autismo. Variantes comuns que regulam a expressão gênica reduzem ou diminuem o poder de uma mutação para causar danos, descobriu um estudo. Outro estudo revelou um subconjunto de variantes que predispõem as pessoas a transtornos doneurodesenvolvimento, incluindo autismo.
Texto traduzido e adaptado de:
https://www.spectrumnews.org/features/special-report/five-hot-topics-autism-research-2018/