À primeira vista, o autismo e o TOC parecem ter pouco em comum. No entanto, clínicos e pesquisadores descobriram uma sobreposição entre os dois. Estudos indicam que até 84% das pessoas com autismo têm alguma forma de ansiedade e até 17% pode ter, especificamente, o TOC. Uma proporção ainda maior de pessoas com TOC também pode ter autismo não diagnosticado, de acordo com um estudo de 2017.
Parte dessa sobreposição pode refletir diagnósticos equivocados: os rituais de TOC podem assemelhar-se aos comportamentos repetitivos comuns no autismo e vice-versa. Mas é cada vez mais evidente que muitas pessoas têm as duas condições. As pessoas com autismo têm duas vezes mais chances de serem diagnosticadas com TOC mais tarde, de acordo com um estudo de 2015 que rastreou os registros de saúde de quase 3,4 milhões de pessoas com mais de 18 anos na Dinamarca. Da mesma forma, as pessoas com TOC são quatro vezes mais propensas que os indivíduos não acometidos a serem posteriormente diagnosticados com autismo, de acordo com o mesmo estudo.
Na última década, pesquisadores começaram a estudar essas duas condições em conjunto para compreender como elas interagem e como elas diferem. Essas distinções podem ser importantes não apenas para diagnósticos corretos, mas também para a escolha de tratamentos eficazes. As pessoas que têm transtorno obsessivo-compulsivo e autismo parecem ter experiências únicas, distintas daquelas de ambas as condições sozinhas. E para essas pessoas, as intervenções padrão para o TOC, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), podem proporcionar pouco alívio.
Obsessões e compulsões podem atingir qualquer pessoa: por exemplo, é comum pessoas preocuparem-se em ter deixado o forno ligado. “Elas são realmente parte da experiência normal”, diz Ailsa Russell, psicóloga clínica da Universidade de Bath, no Reino Unido. A maioria das pessoas encontra maneiras de ignorar esses pensamentos desagradáveis e seguir em frente. Entre as pessoas com TOC, no entanto, essas preocupações aumentam com o tempo e atrapalham o funcionamento diário.
Algumas pessoas contam passos ou respirações para aplacar seu terror de que algo de ruim acontecerá. Outros descrevem a si mesmos como “verificadores”, que investigam repetidas vezes, se realizaram uma tarefa adequadamente. Outros ainda são “faxineiros”, que se lavam constantemente em resposta ao medo de sujeira e contaminação. “Principalmente as pessoas com TOC percebem que isso não é racional”, diz Russell, mas sentem-se encurralados por suas preocupações e seus rituais.
A sobreposição entre o TOC e o autismo ainda não é clara. Pessoas com qualquer uma dessas condições podem ter respostas incomuns a experiências sensoriais, de acordo com uma análise de 2015. Para algumas pessoas autistas, a sobrecarga sensorial pode facilmente levar à angústia e à ansiedade. Steve Slavin, 48 anos, por exemplo, teme as sirenes da polícia e o som de campainhas, que ele compara a uma bomba explodindo em seu sistema nervoso. Alguns pesquisadores dizem que os problemas sociais que as pessoas com autismo experimentam podem contribuir para a sua ansiedade, que também é um componente do TOC. Não ser capaz de ler pistas sociais pode levar as pessoas a ficarem isoladas ou sofrerem bullying, alimentando a ansiedade. “É complicado tirar a ansiedade do autismo”, diz Roma Vasa, diretor de serviços psiquiátricos do Instituto Kennedy Krieger, em Baltimore, Maryland.
Esses traços em comum tornam o autismo e o TOC difíceis de serem distinguidos. Mesmo para os olhos de um clínico treinado, as compulsões do TOC podem assemelhar-se à “insistência na mesmice” ou aos comportamentos repetitivos que muitas pessoas autistas mostram, incluindo ordenar objetos ou sempre viajar pelo mesmo caminho. Diferenciar os dois requer um trabalho cuidadoso.
Uma distinção crucial, constatou a análise de 2015, é que as obsessões provocam compulsões, mas não traços de autismo. Outra é que as pessoas com TOC não podem trocar os rituais específicos de que precisam, diz Vasa: “Eles têm necessidade de fazer as coisas de uma certa maneira, caso contrário, sentem-se muito ansiosos e desconfortáveis”. Em contraste, as pessoas autistas têm um repertório de comportamentos repetitivos para escolher. “Eles estão apenas procurando por algo que seja reconfortante; eles não estão procurando um comportamento específico”, diz Jeremy Veenstra-VanderWeele, professor de psiquiatria da Universidade de Columbia.
Os médicos, então, têm que verificar porque uma pessoa envolve-se em uma ação particular. Essa tarefa é duplamente difícil se a pessoa não puder articular sua experiência. Pessoas autistas podem não ter autoconhecimento ou ter dificuldades verbais ou intelectuais, o que leva a diagnósticos incorretos e ao não diagnóstico.
Respostas podem surgir à medida que mais pesquisadores estudarem o autismo e o TOC em conjunto. Apenas 10 anos atrás, praticamente ninguém fazia isso, diz Suma Jacob, professora associada de psiquiatria da Universidade de Minnesota, em Minneapolis. Quando ela disse estar interessada em pesquisar ambas as condições, os principais consultores do setor lhe disseram que precisaria escolher uma, diz ela. Isso está mudando, em parte porque os pesquisadores perceberam quantas pessoas têm as duas condições.
Jacob e seus colaboradores estão acompanhando o surgimento de comportamentos repetitivos – que podem estar ligados ao autismo ou ao TOC – aos 3 anos em milhares de crianças. “Do ponto de vista do cérebro, esses [transtornos] estão todos relacionados”, diz ela.
De fato, cientistas descobriram que alguns caminhos e algumas regiões cerebrais em comum são importantes tanto no autismo quanto no TOC. Imagens cerebrais apontam para o estriado, uma região associada à função motora e a recompensas. Alguns estudos sugerem que indivíduos com autismo e indivíduos com TOC possuem o núcleo caudado (uma estrutura dentro do estriado) anormalmente grande.
Modelos animais também mostraram implicações do estriado. Veenstra-VanderWeele está estudando autismo e TOC em roedores que mostram comportamentos repetitivos. Em ambas as condições, ele e outros neurocientistas encontraram anomalias na alça córtico-estriado-tálamo-cortical do cérebro. Esse sistema de circuitos neurais atravessa o corpo estriado e desempenha um papel na maneira de iniciar e parar um comportamento, bem como na formação de hábitos. Outra linha de investigação destaca interneurônios, que muitas vezes inibem os impulsos elétricos entre as células. Interromper interneurônios no estriado pode provocar contrações, ansiedade e comportamentos repetitivos em ratos que apresentam traços aos traços do TOC ou do Transtorno de Tourette.
Entre os ratos machos, especificamente, interferir em interneurônios no estriado também leva a quedas acentuadas na interação social, forjando uma conexão tênue com o autismo. “E eis que, os ratos também tinham déficits sociais idênticos aos que temos visto em [modelos animais] associados ao autismo”, diz Christopher Pittenger, diretor da OCD Research Clinic na Universidade de Yale, que liderou este trabalho. Por essa razão, diz ele, os interneurônios podem ser um alvo comum de tratamento tanto para o autismo quanto para o TOC.
Alguns pesquisadores estão descobrindo uma sobreposição genética. O estudo dinamarquês de 2015 verificou que as pessoas com autismo são mais propensas do que os controles a ter parentes com TOC. Mas as comparações genéticas das duas condições até agora produziram resultados contraditórios ou foram prejudicadas pelo pouco que se sabe sobre a genética do TOC. Essa lacuna poderia explicar porque uma meta-análise de 2018 incluindo estudos de associação genômica ampla – abrangendo mais de 200.000 pessoas com 25 condições, incluindo autismo e TOC – não encontrou variantes comuns entre o TOC e o autismo.
Trabalhos não publicados de outro grupo sugerem que “mutações de novo” raras, que ocorrem espontaneamente, podem aumentar significativamente o risco de um indivíduo apresentar autismo ou TOC. Alguns dos genes que os pesquisadores associaram a ambos os diagnósticos estão relacionados ao funcionamento do sistema imunológico, sugerindo que uma interação entre fatores ambientais e o sistema imunológico pode ter um papel importante. Outro gene nessa lista compartilhada, CHD8, regula a expressão gênica.
Até que os cientistas possam conectar essas descobertas preliminares a caminhos possíveis, novos tratamentos com medicamentos estão muito distantes. Mas as pessoas que têm ambas as condições têm outras maneiras para encontrar ajuda.
Alguns pesquisadores estão tentando adaptar a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) para pessoas com autismo, entre outras coisas, “certificando-se de que alguém possa notar e avaliar seu estado emocional”, diz Russell. Trabalhando com seus colegas no King’s College London, Russell verificou, em um estudo piloto, que os métodos modificados ajudam alguns adultos com autismo e TOC a controlar sua ansiedade. Com base no sucesso de um estudo posterior, ela e seus colegas publicaram um guia para clínicos.
Uma variação mais personalizada da TCC também pode funcionar para pessoas com autismo e TOC. Vários esquemas incluem envolver os pais nas sessões, ajustar o idioma para atender à capacidade de uma pessoa autista, usar recursos visuais e oferecer recompensas às crianças. Um ensaio clínico tem comparado essas adaptações da TCC padrão em mais de 160 crianças com autismo e TOC. Os resultados não publicados sugerem que a TCC padrão é benéfica, mas uma abordagem individualizada é ainda melhor.
Texto adaptado de SCIENTIFIC AMERICAN:
https://www.scientificamerican.com/article/untangling-the-ties-between-autism-and-obsessive-compulsive-disorder1/